segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Há 3 anos chorei quando fui reprovada na Fuvest



Estudei em uma escola gratuita, parte de um projeto social de uma grande empresa brasileira. A instituição, firme nas regras, não pecava com os conteúdos, materiais didáticos e assiduidade dos professores. Tudo com respeitável governança e sem muito espaço pra iniciativas de alunos. Mas o fato é que estudei em uma escola com todas as características de uma instituição particular caríssima, uma escola que o sistema educacional atual brasileiro considera como modelo.

Aos 16, comecei a trabalhar para não ser uma "jovem ociosa". Aos 17, no terceiro ano do ensino médio, decidi fazer cursinho para garantir minha vaga na USP.

Então minha vida ficou assim: Anglo das 7h às 11h, trabalho das 11h45 às 18h, escola das 18h às 23h. Dormia mal, estudava mal, trabalha com enxaqueca, tinha crises repentinas de choro, passava boa parte do dia pensando o quanto eu deveria estar em casa estudando – mas tudo estava sob controle. Era só uma fase e logo eu estaria na FFLCH, dedicando manhã e tarde ao estudo, sem a cobrança por um compromisso financeiro.

Chegou a primeira fase: passei. Chegou a segunda fase e, pela baixa nota de corte do curso, estava tranquila, com a plena consciência de que os três dias de prova seriam apenas uma pequena etapa que antecedia a matrícula. Apesar de passar umas horas do dia no trabalho, meu empenho durante a vida escolar sempre fora reconhecido com prêmios e medalhas e eu fazia cursinho. Nada mais podia dar errado ali. Era a "seleção natural" agindo.

O dia da primeira lista chegou e meu nome não estava lá. A dor da falha era tão grande, aquilo não era justo! Explodi. De raiva, de frustração. Eu não estava acostumada a falhar. Eu não estava acostumada a não estar entre os melhores.

Então veio a Cásper e, meio contrariada com a alta mensalidade, fui.

Escrevi toda essa ladainha bibliográfica porque essa semana saiu a lista dos aprovados 2015 e eu lembrei daquele dia horrível. Mas, três anos depois, a lembrança me assombra junto à vergonha de uma menina de classe média achar injusto o seu não-ingresso em um espaço que deveria ser ocupado por estudantes que não tiveram acesso à educação de qualidade que eu tive.

Que não falavam inglês fluente aos 15. Que, muitas vezes, não tinham Que não desfrutaram os privilégios sociais de ter a pele branca e precisavam de cotas (já que a pele negra não os deixam sair das margens da sociedade). Que foram obrigados a abandonarem a escola para trabalhar em um dos subempregos da cidade. Que nem sonhavam com o dinheiro da compra do mês, muito menos com a mensalidade de um cursinho ou uma faculdade. E por aí vai se alongando a lista de desigualdades.

Durante minha reflexão, na tentativa de me redimir com o bom senso que não tive enquanto "vestibulanda", cheguei pensar "ufa, que bom que não entrei na USP e não me apropriei do lugar de ninguém". Mas aí lembrei que pagar um boleto mensal R$ 1634,50 suja minhas mãos na lógica perversa da mercantilização do ensino, que segrega jovens de forma mais descarada ainda.

Você, classe média que me lê, leia bem: o texto não é um ataque pessoal a quem estuda ou estudou em uma faculdade pública. É uma autorreflexão compartilhada, com o objetivo de olhar criticamente para o cenário da educação superior do Brasil. Eu não tenho como dar carteirada em ninguém porque, como alguém que já esteve lá, acho que adolescentes são conduzidos ao desejo de se tornarem bacharéis por universidades federais e estaduais, sem conhecer outras opções além dessa por falta de espaços de debates e voz.

A romantização ao redor da entrada em uma faculdade pública deve parar. Só assim conseguiremos enxergar que o rito de passagem não é mérito, simplesmente porque a competição é injusta.

Se é um consenso que a solução para os problemas estruturais do país está na educação, é preciso ser minimamente coerente com esse discurso e perceber que se está no patamar dos privilégios. É dar o braço a torcer, reaver a posição social (esmagadora) na qual se encontra e experimentar olhar para baixo.

Tirar a oportunidade de pessoas pobres não deve ser motivo de orgulho nem de festa (muito menos de panfleto e foto no jornal). A meritocracia é uma mentira.

Infelizmente, não tenho como apontar caminhos. Ainda estou acumulando bagagem para um dia conseguir concretizar alguma mudança.

Mas pensar a educação – nossa chance, nossa arma libertadora –, livre das lógicas da seleção pode ser um começo.

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