sexta-feira, 14 de agosto de 2015

TCC pra quê?


Assim como o vestibular, o trabalho de conclusão de curso causa acessos de desespero em quem se preocupa minimamente com seu desenvolvimento.

O tema pode ser o melhor do mundo. O grupo pode ter as melhores pessoas. O orientador pode apresentar possibilidades incríveis. Mas nada tira o peso e a exaustão de um trabalho denso como esse.

E por que ele existe?

Para contribuir com o conhecimento da academia, elitista?
Para provar que as horas, horas e mais horas de aula expositiva fizeram de você uma pessoa sabida, apta para ser apresentada ao mundo profissional?
Para cumprir recomendações de orgãos públicos (por que é mesmo que o estado impõe premissas à educação que precisam ser hermeticamente seguidas?)

O que eu defendo aqui não é o fim de uma pesquisa interessante ou de um trabalho incrível que pode ser desenvolvido -- mas sim o fim da formalidade. Das normas. Do papel sulfite. Do texto preto e branco. Da ABNT. Do número de caracteres obrigatórios (que, aliás, insere o trabalho numa lógica quantitativa idiota). Do crivo de 3 pessoas com altos títulos e currículos absurdamente maiores que o seu.

Por que a experiência não pode ser pautada? Onde fica a evolução do trabalho? A vivência de uma pesquisa, o processo? Fiquei quase 3 meses na ETEC Parque da Juventude e o que eu vivi - e, principalmente, aprendi - naquele lugar nunca vai poder ser sintetizado em "no mínimo 150 mil caracteres". As pessoas que protagonizaram essa experiência não cabem em parágrafos.

E, por mais que a gente saiba da inutilidade de todas essas regras e tente fazer do processo um momento mais humanizado, as obrigatoriedades que cercam uma monografia (e qualquer outro gênero) pressionam, desesperam. E fazem doer.

Não adianta falar "relaxa", não adianta mentalizar "sem pressão": qualquer atividade que você faça que não estão no escopo das suas obrigações enquanto alunx (já falamos sobre a origem dessa palavra aqui?) automaticamente transformam-se em culpa. Assistir Netflix, pegar freela, namorar, ir pro bar, ver amigxs. Não, Giovanna - quem te vê assim, na rua, pensa que você não tem um texto pra desenvolver.

Será que deveria ser assim?

O ensino superior poderia estar um pouco mais preocupado em abrir espaço para as ideias fluírem livremente, sem molde. Para que a juventude altruísta e cada vez mais engajada sinta-se sujeita e empoderada para começar a transformar e não apenas "se formar".

Docentes, foi mal. Eu sei que ninguém pode trazer o Freire de volta pra ele pegar em minhas mãos e dizer que não tem nada de errado em passar 6h na frente da tela sem ter forças pra escrever 1 dos 40 mil toques que me aguardam até o fim do mês.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Há 3 anos chorei quando fui reprovada na Fuvest



Estudei em uma escola gratuita, parte de um projeto social de uma grande empresa brasileira. A instituição, firme nas regras, não pecava com os conteúdos, materiais didáticos e assiduidade dos professores. Tudo com respeitável governança e sem muito espaço pra iniciativas de alunos. Mas o fato é que estudei em uma escola com todas as características de uma instituição particular caríssima, uma escola que o sistema educacional atual brasileiro considera como modelo.

Aos 16, comecei a trabalhar para não ser uma "jovem ociosa". Aos 17, no terceiro ano do ensino médio, decidi fazer cursinho para garantir minha vaga na USP.

Então minha vida ficou assim: Anglo das 7h às 11h, trabalho das 11h45 às 18h, escola das 18h às 23h. Dormia mal, estudava mal, trabalha com enxaqueca, tinha crises repentinas de choro, passava boa parte do dia pensando o quanto eu deveria estar em casa estudando – mas tudo estava sob controle. Era só uma fase e logo eu estaria na FFLCH, dedicando manhã e tarde ao estudo, sem a cobrança por um compromisso financeiro.

Chegou a primeira fase: passei. Chegou a segunda fase e, pela baixa nota de corte do curso, estava tranquila, com a plena consciência de que os três dias de prova seriam apenas uma pequena etapa que antecedia a matrícula. Apesar de passar umas horas do dia no trabalho, meu empenho durante a vida escolar sempre fora reconhecido com prêmios e medalhas e eu fazia cursinho. Nada mais podia dar errado ali. Era a "seleção natural" agindo.

O dia da primeira lista chegou e meu nome não estava lá. A dor da falha era tão grande, aquilo não era justo! Explodi. De raiva, de frustração. Eu não estava acostumada a falhar. Eu não estava acostumada a não estar entre os melhores.

Então veio a Cásper e, meio contrariada com a alta mensalidade, fui.

Escrevi toda essa ladainha bibliográfica porque essa semana saiu a lista dos aprovados 2015 e eu lembrei daquele dia horrível. Mas, três anos depois, a lembrança me assombra junto à vergonha de uma menina de classe média achar injusto o seu não-ingresso em um espaço que deveria ser ocupado por estudantes que não tiveram acesso à educação de qualidade que eu tive.

Que não falavam inglês fluente aos 15. Que, muitas vezes, não tinham Que não desfrutaram os privilégios sociais de ter a pele branca e precisavam de cotas (já que a pele negra não os deixam sair das margens da sociedade). Que foram obrigados a abandonarem a escola para trabalhar em um dos subempregos da cidade. Que nem sonhavam com o dinheiro da compra do mês, muito menos com a mensalidade de um cursinho ou uma faculdade. E por aí vai se alongando a lista de desigualdades.

Durante minha reflexão, na tentativa de me redimir com o bom senso que não tive enquanto "vestibulanda", cheguei pensar "ufa, que bom que não entrei na USP e não me apropriei do lugar de ninguém". Mas aí lembrei que pagar um boleto mensal R$ 1634,50 suja minhas mãos na lógica perversa da mercantilização do ensino, que segrega jovens de forma mais descarada ainda.

Você, classe média que me lê, leia bem: o texto não é um ataque pessoal a quem estuda ou estudou em uma faculdade pública. É uma autorreflexão compartilhada, com o objetivo de olhar criticamente para o cenário da educação superior do Brasil. Eu não tenho como dar carteirada em ninguém porque, como alguém que já esteve lá, acho que adolescentes são conduzidos ao desejo de se tornarem bacharéis por universidades federais e estaduais, sem conhecer outras opções além dessa por falta de espaços de debates e voz.

A romantização ao redor da entrada em uma faculdade pública deve parar. Só assim conseguiremos enxergar que o rito de passagem não é mérito, simplesmente porque a competição é injusta.

Se é um consenso que a solução para os problemas estruturais do país está na educação, é preciso ser minimamente coerente com esse discurso e perceber que se está no patamar dos privilégios. É dar o braço a torcer, reaver a posição social (esmagadora) na qual se encontra e experimentar olhar para baixo.

Tirar a oportunidade de pessoas pobres não deve ser motivo de orgulho nem de festa (muito menos de panfleto e foto no jornal). A meritocracia é uma mentira.

Infelizmente, não tenho como apontar caminhos. Ainda estou acumulando bagagem para um dia conseguir concretizar alguma mudança.

Mas pensar a educação – nossa chance, nossa arma libertadora –, livre das lógicas da seleção pode ser um começo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Pelo direito de ter 20 anos e acreditar no que eu bem entender

Desde as eleições, me cala a tropa do "no meu tempo era melhor" querendo censurar meus ideias por puro efeito de ego, aquele misto da melhor arte barroca junto ao romantismo de quem pintou a cara para participar do impeachment do Collor.

Me cala o grupo dos adultos infelizes, que com o mesmo salário há algumas décadas e o carro zero a cada três anos já não sabem mais sonhar com nada além de estabilidade financeira e uma boa aposentadoria. 

Me calam as cabeças grisalhas que desacreditam na articulação da atual juventude por terem medo de mudanças na rota até o trabalho, que se assustam com uma faixa pintada de vermelho perto do carro. 

Me calam os rostos apáticos, cor-de-escritório, que já não conseguem mais olhar para o lado, olhar para tudo aquilo no que já acreditaram e defenderam. Que já não conseguem mais se imaginar vivendo uma vida diferente das dos seus pais. 

Me cala a hipocrisia desses anfitriões, que perderam a essência daquilo que os mantinham parte de um coletivo para se fechar num condomínio de luxo com padaria e salão de beleza. 

Não, eu não sou criança. Não, eu não estou fazendo baderna. Não, eu não tenho uma fé cega naquilo que me cerca (ao contrário de quem acorda e dorme pensando nas mesmas coisas todos os dias). Estou somente, e tão somente, tentando exercer vosso papel de 20, 30 anos atrás. Mantendo a engrenagem da luta funcionando. Questionando a ordem se esta não me soa justa. Fazendo com que todos os momentos nos quais vocês abriram fogo por não aceitarem algo goela abaixo não se percam na memória de curto termo que os toma.

É a minha vez de continuar o que vocês pararam por desejarem levar uma vida comum, sem preocupações que os façam refletir. 

Posso?